quarta-feira, 27 de maio de 2009

COMEÇA AMANHA A 5ª EDIÇÃO DO VIRTUOSI BRASIL

Este ano concerto patrocinado pelo BNB homenageia o músico pernambucano Marlos Nobre

As cordas dos instrumentos já estão afinadas para mais um festival de música erudita. Consagrado, hoje, como um dos principais espetáculos nacionais, o Virtuosi Brasil, que começa amanhã (28) e vai até o próximo sábado (30), traz para o palco do teatro de Santa Isabel artistas renomados para homenagear os 50 anos de carreira e 70 anos de vida do músico e compositor pernambucano Marlos Nobre. Entre eles estão a Orquestra Jovem de Pernambuco, a violonista Betina Stegmann, a soprano Ângela Barra, pianista Bernardo Scarambone a soprano Ângela Barra, e outros.

Durante os três dias, os amantes da boa música vão ouvir com uma série de apresentações, e antes de cada concerto, Marlos Nobre irá bater um papo com o público e explicar a metodologia do seu processo criativo e os caminhos atuais de sua composição. Cada concerto será dedicado a um gênero de obras do autor.

Para Ana Cristina Garcia, responsável pelo Virtuosi, o festival tem se destacado no cenário nacional e o apoio do BNB foi fundamental para a realização da mostra musical este ano. “O concerto é reconheci não apenas no Brasil, mas em vários países do mundo. Os artistas que passam por aqui tem um refinamento singular. Vale destacar os profissionais do país e, principalmente, do Estado, que tem provado a todos o potencial musical de Pernambuco. Em nome deles que estão envolvidos no projeto, agradeço ao BNB pelo patrocinado dado pelo Programa BNB de Cultura, sem o qual seria inviável a realização do evento”, disse Ana Cristina.

Durante o evento, as pessoas ainda poderão ouvir músicas do autor pernambucano nas cabines localizadas na sala de espera do teatro, além de terem acesso à exposição fotográfica que retrata a história dos 50 anos de trabalho do homenageado.

A 5ª edição do Virtuosi Brasil é patrocinada pela (Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco Fundarpe), com apoio da prefeitura do Recife e do governo de Pernambuco. Os espetáculos começa sempre às 21h. Os ingressos custam R$ 20 para o primeiro piso e R$ 15 para o segundo. Estudantes pagam meia-entrada. Outras informações: (81) 3363-0138

CONFIRA A PROGRAMAÇÃO:

28/ 05 - A música para piano

Primeiro ato:
Nazarethiana Op. 2, 1960
1º Ciclo Nordestino, Opus 5 1960
Homenagem a Arthur Rubinstein, Op 40 1973
4º Ciclo Nordestino, Op 43 1977

Segundo ato:
Sonata Breve Op.21 1966/2000
Tango Op 61 1984
Sonatina Op. 66 1984/2003 (dedicada a Nelson Freire)
Frevo nº2 (dedicado a Ariano Suassuna)
Bernardo Scarambone - piano

29/05 - A música vocal e a música de câmara

Primeiro ato:
Três Trovas opus 6 - 1961 (Texto de Adhelmar Tavares)
Beiramar opus 21 1966 (Texto de Marlos Nobre baseado no folclore da Bahia)
Três Canções opus 9 1962 (Textos de: Ascenço Ferreira (n° 1) e Manuel Bandeira (n° 2 & n° 3)
Dengues da Mulata Desinteressada opus 20 1966 (Texto de Ribeiro Couto)
Poema V (Raio de Luz) opus 94 n°5 2002 (Texto de Marlos Nobre)
Modinha opus 23a 1966 (Texto de Marcos Konder Reis)
Ângela Barra - soprano
Ricardo Ballestero - piano

Segundo ato:
Cantoria I para cello solo
Partita Latina para cello e piano
Claudio Jaffé - cello
Ricardo Balestero - piano
Trio para piano, violino e viola Op. 4
Betina Stegmann - violino
Marcello Jaffé - viola
Bernardo Scarambone - piano

30/05 - A música para orquestra de câmara e solista

Primeiro ato:
O Canto Multiplicado para voz e orquestra Op.38a
Texto de Carlos Drummond de Andrade
Ângela Barra - soprano
Concertino para piano e cordas Op. 1 (1959)
Menção Honrosa no Concurso Nacional de Composição “Música e Músicos do Brasil” – Rádio MEC
Marlos Nobre - piano

Segundo ato:
Poema IIIa para violoncelo e cordas Op.94 nº 3a
Primeira audição mundial
Claudio Jaffé - cello
Concertante do Imaginário para piano e cordas Op. 74
Encomenda da Sala Cecilia Meireles – Rio de Janeiro 1989
Marlos Nobre - piano

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Uma brincadeira chamada Cavalo Marinho


Tradição da Zona da Mata Norte de Pernambuco passa de geração em geração, quebrando barreiras e encantando espectadores


É preciso ter muito gingado e jogo de cintura para participar do cavalo - marinho, uma mistura de teatro de rua, música e dança. Surgido na Zona da Mata Norte de Pernambuco como uma forma de comemorar o nascimento do Menino Jesus, a brincadeira também pode ser encontrada no Agreste da Paraíba.

Não se sabe ao certo a data do surgimento do reisado. Existem várias versões sobre suas origens. A mais conhecida e aceita delas diz que teria sido originário a partir de festas religiosas trazidas pelos portugueses para o Brasil.
No espetáculo, podem ter em cena mais de 70 personagens, entretanto, os mais importantes são os irmãos negros Mateus e Bastião, Mestre Ambrósio, o Caboclo de Aruba, o Capitão, os Galantes e as Damas (uma espécie de elite) e o Boi.
O Banco, formado pelos músicos, também é essencial à apresentação. Com rabeca, pandeiro, reco-reco e ganzá (principais instrumentos usados) nas mãos, eles animam a festa com muita música e disposição. É preciso ter energia porque a brincadeira, na maioria das vezes, só para quando o dia raiar.

A história é a seguinte: Os espectadores formam um círculo onde ocorrerá o espetáculo. A música começa e Mateus e Bastião aparecem fazendo palhaçadas. Com uma bexiga, feita de testículo de boi seco, nas mãos, eles batem, constantemente, uns nos outros e nos inimigos.

Eles também usam o instrumento para marcar o ritmo da apresentação. No enredo, os irmãos são contratados pelo Capitão Marinho, que chega montado em seu cavalo para animar a festa na cidade. Vale ressaltar que a derivação do nome do folguedo vem exatamente dessa cena.

De acordo com o timbre do seu apito, o Capitão, por ser a autoridade local, comanda o andamento da dança. Durante a comemoração, também aparece Ambrósio, uma espécie de vendedor de figuras. Outros personagens vão aparecendo. Um dos pontos altos da apresentação é o momento da dança dos arcos, originária da festa de São Gonçalo.

Com roupas, chapéus e fitas coloridas, os dançarinos entrelaçam os arcos, formando um grande círculo: o círculo de louvação aos três Reis Magos. Como todo bom espetáculo, no cavalo-marinho, os participantes ensaiam, têm um roteiro pré- estabelecido, mas nem sempre é seguido.

Os “atores” convidam a platéia para participar do auto. Mesmo sem saber os passos muito bem, as pessoas acabam arriscando um passo aqui outro ali. Não tem como ficar parado. Depois de todas as confusões de Mateus e Bastião, das encenações e danças, chega um dos personagens mais esperados, o Boi.

O animal, responsável pelo desfecho da apresentação, representa a fartura. De acordo com a “classe social” dos integrantes, as partes mais nobres do boi dançante vão sendo distribuídas: “A língua vai para Cristina, o coração, vai para seu João. O rabo vai para Ricardo...”, e assim por diante. Depois do banquete, o boi se vai e junto com ele todos os personagens que encantaram toda a platéia.

É preciso preservar


Que a tradição pernambucana é belíssima, isso não é novidade. Durante a apresentação do Cavalo-Marinho Boi Matuto, da Cidade Tabajara, em Olinda, uma figurinha chamou a atenção de todos os espectadores. Foi o pequeno Gabriel Salustiano de três anos.

O jovem é neto do Mestre Salu, um dos maiores nomes da cultura popular do Estado e um dos maiores incentivadores da preservação da tradição. O pequeno brincante, com certeza, herdou o dom do avô e já está envolvido com as manifestações culturais.

Hoje qualquer um pode fazer parte de um grupo de cavalo-marinho, mas nem sempre isso foi assim. Até pouco tempo atrás, os espectadores e turistas não podiam participar da apresentação. As mulheres também eram proibidas de participar do folguedo, dessa forma, cabia aos homens fazer os papéis femininos.

Maria de Fátima Rodrigues, a Nice do cavalo-marinho Estrela brilhante, como é mais conhecida por todos na cidade de Condado, na Zona da Mata Norte, foi uma das primeiras mulheres a integrar à brincadeira. “Sempre fui uma apaixonada pelo auto, mas só há uns seis anos eu pude quebrar a barreira que existia. Não é fácil romper com a tradição, mas hoje o toque feminino só vem a fortalecer ainda mais o reisado”, disse Nice, que ainda ressalta a importância da preservação do espetáculo, usado para formar cidadãos.

“Há mais ou menos cinco anos as crianças ficavam na rua sem ter o que fazer e consegui levá-las para a brincadeira. Quase ninguém aqui gostava muito do folguedo. As pessoas achavam chato e tinham vergonha de participar do cavalo-marinho, mas com a ajuda de alguns amigos eu pude provar que cada cultura tem suas particularidades e devemos ter orgulho daquilo que nos pertence, pois faz parte da nossa identidade”, disse Maria de Fátima.

As apresentações são indicadas para toda família. A professora Marleide Francelina Sales, 58 anos, sempre que pode, assiste aos espetáculos culturais junto com a neta Ana Beatriz Sales, de 6 anos. Para a educadora, Pernambuco é o estado com maior diversidade cultural do país e ter contato com as manifestações locais e difundi-las é um papel de todos, não apenas dos órgãos governamentais.

“Não devemos esperar pelo setor público para preservar o que é nosso. Se cada um fizer sua parte, o mínimo que seja, a cultura permanecerá viva. Por ser professora, sinto-me na obrigação de apresentar, de mostrar aos alunos as tradições pernambucanas, que não são poucas. A escola é o local de se transmitir conhecimento, mas o folclore e a cultura são pouco abordados pelas instituições de ensino”, lamenta Marileide.

Apesar das apresentações ocorrerem durante o período natalino, é possível ver o folguedo durante o ano inteiro. Mas, para Pedro Salustiano, responsável pelo Cavalo Marinho Boi Matuto, da Cidade Tabajara, em Olinda, as dificuldades encontradas pelos grupos para manter viva a tradição são muitas.

“O Governo vem ajudando alguns grupos, mas ainda é pouco. Falta patrocínio para irmos para outros estados, por exemplo. Mesmo assim sem incentivo vamos levando como dá. Embora muitas pessoas digam que o espetáculo vai acabar, não podemos deixar o show parar. O cavalo- marinho nunca morrerá’, disse Pedro.

Antes tarde do que nunca, parece que a brincadeira terá seu valor reconhecido por todos no país. O cavalo-marinho, junto com outras três manifestações pernambucanas, está prestes a ter sua preservação garantida.
A Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) encaminhou a candidatura do folguedo ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão responsável pela nomeação como Patrimônio Imaterial. Com o título, o auto receberá mais incentivos governamentais e terá assegurada a sua divulgação e conservação.

Salu, o mestre dos mestres

(Foto: Julia Carlos)

Uma estrela brilhou no céu de Aliança no dia 12 de novembro de 1945. Nascia, nessa data, Manoel Salustiano Soares, ou simplesmente Mestre Salu, o filho mais ilustre da cidade da Zona da Mata Norte Pernambucana.

Foi na infância que aprendeu, com o pai, a fabricar e tocar rabeca. À medida que foi crescendo, foi aprendendo a dançar o folguedo natalino. De acordo com Pedro Salustiano, o Mestre Salu criou o Cavalo-Marinho Boi Matuto em 1968.

“Foi um dos primeiros folguedos organizado por meu pai. Foi a grande paixão dele. Depois do Boi Matuto ele começou a se envolver com outras tradições da cultura pernambucana, como o maracatu, ciranda e o coco. E foi trazendo todos esses universos para Olinda”, disse o herdeiro Salu.

Manoel Salustiano também foi responsável pela criação do Maracatu Piaba de Ouro, em 1997. Em 2001, fundou a Casa da Rabeca do Brasil, em Olinda. O espaço, dedicado a apresentações culturais, já existia há muito tempo, mas como uma tenda coberta de palhas de coqueiro. Em 2008, o local sediou o 14º Encontro de Cavalos-marinhos, reunindo os principais grupos brincantes.

O grande incentivador da cultura popular, já passou por vários países da Europa e pelos Estados Unidos e gravou quatro CDs: Mestre Salu e a sua rabeca encantada; Cavalo-Marinho; Sonho de Rabeca; e As três gerações. Durante sua trajetória, recebeu vários prêmios, entre eles, o Doutor Honoris Causa, em 1982, pela Universidade Federal de Pernambuco; e o Doutor em Cultura Popular, em 1991, pelo Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco.

Além desses títulos, ele foi nomeado, em 2005, como Patrimônio Vivo do Estado, uma homenagem do Governo aos grandes artistas que ajudam a preservar e divulgar a cultura.

Salu se foi no dia 31 agosto de 2008, deixando milhares de fãs, que não são poucos, órfãos. “E a agora, depois da morte dele, os filhos estão dando continuidade ao trabalho de papai, todo esse legado que ele deixou para a gente”, disse Pedro, emocionado.

Mesmo com a partida do mestre, ele sempre permanecerá vivo na memória do povo pernambucano e, em especial, este ano em que o Governo do Estado o homenageou durante o carnaval. De uma ponta a outra onde a festa de Momo estiver ocorrendo, lá vai estar sendo lembrado o grande e inesquecível tocador de rabeca.