quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ENTREVISTA COM A MONJA BUDISTA MIAO DUO



Há mais de três anos, a monja Miao Duo deixou o monastério budista, em Taiwan, e veio para o Brasil comandar o templo Zu Lai, localizado em São Paulo. No dia 24 de maio, em comemoração ao Vesak, a data mais importante para a religião, por ser o dia do nascimento do Buda, ela veio à sede localizada na beira-mar de Olinda, para realizar a cerimônia religiosa especial. Em uma conversa descontraída, revela algumas curiosidades sobre a doutrina budista, os costumes e as tradições da religião que vem se perpetuando ao longo do tempo.

Como a senhora define o budismo?
O budismo, para a gente, é uma religião, sem sombra de dúvida. Mas também é encarado como filosofia de vida, uma vez que as pessoas transportam os ensinamentos para o dia a dia.

O budismo prega o vegetarianismo. Todos os discípulos são obrigados a aderir a essa prática alimentar?
Na verdade, o budismo não diz que a gente precisa ser praticante do vegetarianismo, mas na linhagem mahayana, a qual pertencemos, é um dos itens mais importantes. Quando o Buda ainda era vivo, foram oferecidos a ele vários tipos de comidas. Não negava nada e comia tudo. Mas, quando a religião foi transmitida para a China, há mais de 2.000 anos, se estabeleceu uma forma de prática da compaixão, que consistia em não matar os bichos para comê-los. Assim, salvamos a vida dos animais e a nossa também.

Existe algum tipo de ligação também com a crença no renascimento?
No budismo, a gente trabalha com o Darma, a roda da vida. Nesse ciclo, não temos só o nosso nível dos seres humanos, mas também outras formas ‘físicas’ de renascimento. Podemos vir ao mundo como um deus puro ou rebelde, um ser infernal, espírito faminto, ser humano ou animal. Não é porque somos seres conscientes que no nosso próximo renascimento viremos na mesma condição. A gente carrega, depois da morte, os nossos carmas, ações do indivíduo no mundo, que podem ser positivos ou negativos. Um ente querido e até nós mesmos poderemos renascer como um porco, por exemplo. Já pensou em comer um amigo? Deve ser horrível.

A senhora sempre foi budista?
Todo mundo tem suas condições e causas para pertencer a uma determinada religião. É a nossa física quântica. Como eu nasci em uma família budista, tive uma facilidade de aceitamento e de compreensão dos ensinamentos do Darma.

Existem muitas mulheres na linhagem mahayana liderando os templos?
Na verdade temos mais monges do que monjas. Mas as mulheres estão conseguindo alcançar mais espaço na religião. Na época do Buda, ele não permitia que elas se ordenassem. Com o passar do tempo, passaram a ser aceitas, mas com algumas imposições. A principal delas é a prática da valorização, do respeito que devem ter umas com as outras, e principalmente, com os homens.

O Nirvana é estado máximo de purificação no budismo. Como alcançá-lo?
Nesse nosso tempo de apegos aos bens materiais e conflitos constantes é muito difícil conseguir chegar ao Nirvana. É preciso disciplinar os nossos hábitos para que não tenhamos altos e baixos na nossa vida. No momento da raiva, por exemplo, a gente explode, emocionalmente, aí vem o que é de hábito, a ira. Só criando a estabilidade espiritual que a pessoa pode chegar à iluminação.

Por que a senhora anda sempre com essa pulseira que se parece com o terço usado pelos católicos?
O Japamala é utilizado para recitarmos o nome do Buda durante as orações, conversas ou reuniões e para recitar os mantras, os ensinamentos deixados pelo Iluminado.
Por que todos os monges têm que raspar a cabeça?
Quando um indivíduo se torna um monge, quando recebe a ordenação, mais do que nunca passa a praticar o seu lado interior. A nossa aparência externa passa a ser um incômodo. Quando se tem cabelo, a pessoa precisa cortá-lo, alisá-lo, ver se não está seco, oleoso etc. Então, raspando a cabeça diminui a preocupação. Facilita a vida e a prática do desapego. Só para se ter idéia de como não ligamos para a vaidade, nós, os mestres, temos apenas duas peças de roupas. Sujou, lavou, usou.

Por que os mestres budistas não podem se casar?
No budismo apenas os seguidores podem se casar. Os mestres têm que dedicar suas vidas inteiramente a devoção da prática budista. Dessa forma, as pessoas que participam de uma ordenação não precisam de companheiros porque já têm a compaixão do Buda. Livre, digamos assim, do casamento, temos mais espaço no coração para nos preocupar em praticar os ensinamentos com os discípulos.

Existe pecado no budismo?
Não usamos o termo pecado, e sim a palavra carma que pode ser positiva ou negativa. A pessoa é responsável pelos seus atos na terra. Se pratica uma boa ação, será recompensado. Se toma uma atitude ruim, como matar, por exemplo, pagará, nessa vida ou nas futuras, pelos erros.
Quais os requisitos para uma pessoa se tornar budista?
Para uma pessoa se tornar budista ela precisa entender a nossa filosofia e se refugiar, em um dos templos, na chamada Jóia Tríplice, que consiste em se comprometer com os ensinamentos do Buda e aceitar o Dharma e o Sangha (uma espécie de sânscrito, uma linguagem específica utilizada no budismo).

Como um discípulo faz para se tornar um mestre?
Cada ramificação do budismo tem uma forma diferente de lidar com a nomeação. No nosso caso, o discípulo tem que ter até 35 anos para ser tornar um monge. Se for do Brasil, primeiro ele é encaminhado para a universidade que temos lá no templo de São Paulo, onde será obrigado a passar, em média, um ano enclausurado estudando. De lá, ele vai para Taiwan, onde permanecerá um período de quatro anos e terá que fazer uma auto-avaliação, para só então passar pela provação dos mestres e conseguir a ordenação.

Por que esse limite de 35 anos de idade para se tornar um monge?
Porque teoricamente é mais fácil modificar e disciplinar os hábitos de uma pessoa abaixo de 35 anos. É comum termos algumas atitudes em certas ocasiões, mas nem sempre elas são as mais corretas, por isso limitamos a ordenação a essa faixa etária.

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