sexta-feira, 30 de outubro de 2009

MANGUE BEAT: DA LAMA PARA O MUNDO


Por muito tempo o frevo era, para a grande maioria dos brasileiros, o único estilo musical que Pernambuco possuía. Mas essa ideia errônea começou a ser desmistificada a partir do início da década de 1990. Nessa época, surge na periferia do Recife, um movimento conhecido por Mangue Beat liderado pelos mangueboys Chico Science, Fred 04 e Renato L.
O grupo estava insatisfeito com a cena musical brasileira que prestigiava os grupos mais midiatizados, em sua maioria da Bahia e do Sul-Sudeste do país. “Essa triste realidade ainda existe, apesar de ser em menor escala. As pessoas estão condicionadas a avaliarem ter como música boa e de qualidade aquela que passa nos programas de tevê e quem pensa assim está totalmente enganado”, disse o radialista e pesquisador fonográfico da Fundação Joaquim Nabuco, Renato Phaelante.

Diferentemente de outros movimentos musicais importantes como a Bossa Nova e o Tropicalismo, idealizados por uma parcela da elite brasileira, o Mangue Beat se diferencia pelo fato de ter emergido das camadas populares do Recife. Para a doutora em sociologia Paula Tesse, em sua tese de dissertação, “em poucos anos, a nova tendência viria dar palavra a uma camada da sociedade que até então não tinha encontrado um eco de maneira autônoma. Por esse aspecto, podemos defini-la como um Quilombo Cultural.”

O Mangue Beat utiliza elementos da cultura popular do Estado, como coco, macaratu, ciranda e embolada, aliados à tecnologia e a estilos musicais internacionais como o rock, funk e reggae, dando uma nova roupagem às batidas tradicionais. O mangue, símbolo da fertilidade e pluralidade de espécies de animais, é usado analogicamente pelo movimento como um celeiro musical de onde emergem a diversidade dos talentos da música pernambucana.

“Chico Science entendeu que para se ter força e produzir uma onda criadora que estava estagnada há alguns anos, era necessário voltar à lama. O movimento abre caminhos para outros artistas, que talvez não se identifiquem diretamente com ele, a exemplo dos grupos nascidos do bairro popular do Alto José do Pinho, no Recife, como Devotos, Faces do Subúrbio e Matalanamão, mas que surfam na sua onda criativa”, disse Paula Tesser.

Para ela, além fomentar e fortalecer a identidade cultural de um determinado grupo social, a música também é utilizada como um instrumento de inclusão. “O Mangue Beat é visto como uma forma de pensar o presente, o ser humano e sua sociabilidade. Passando de objeto de crítica a sujeito da criação de uma nova linguagem, os meninos pobres das grandes cidades brasileiras começaram a produzir um espaço diferenciado podendo exprimir suas experiências de vida.”

O movimento, afirma o crítico musical João Carlos Vasconcelos, conseguiu abrir a porta do mercado brasileiro para os produtos musicais vindos de fora do eixo sul-sudeste que não tinham muito espaço na mídia nacional. “Cordel do Fogo Encantado e Mombojó são exemplos de bandas locais que foram diretamente influenciadas pelo movimento Beat pernambucano e conseguiram conquistar o mercado internacional. Somos um povo muito acolhedor e por isso vários grupos, dos mais variados estilos, vêm ao Estado e fincam raízes. É aqui que fazem nome e vão fazer sucesso no resto do país e do mundo. Isso é uma prova de que Pernambuco é, sim, uma fábrica de talentos musicais.”

PRA FICAR NA MEMÓRIA
Inaugurado em abril deste ano, o Memorial Chico Science é, hoje, um dos principais pontos de cultura do Estado. Lá, as pessoas podem ter contato com objetos pessoais do músico, aprender um pouco mais sobre o trabalho dele e do Mangue Beat. O Memorial fica no Pátio de São Pedro, casa 21, no centro do Recife e está aberto à visitação pública de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h. A entrada é gratuita. Outras informações podem ser obtidas pelos telefones (81) 3232- 2486 e 3232- 2492.

SAIBA MAIS...
- Do Frevo ao Manguebeat, de José Teles
- Mangue Beat: húmos cultural e social, de Paula Tesser
- Chico Science – a rapsódia afrociberdélica, por Moisés Neto

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